Quando o corpo para, a cabeça continua correndo

Como vencer o diálogo interno, atravessar o muro e terminar corridas que pareciam impossíveis

Flávia Cogrossi

Quando a corrida começa, tudo parece fácil. O corpo responde, a mente está animada, o ar entra limpo nos pulmões. Mas chega um momento, sempre chega, em que o cansaço bate de verdade. As pernas pesam, o coração acelera, e a pergunta inevitável aparece: “Será que eu consigo terminar?"

É nessa hora que, se você continuar, a corrida deixa de ser só física e se transforma numa batalha mental. Já perdi a conta de quantas vezes quis parar antes de cruzar a linha de chegada, seja nos treinos ou em provas. Sabe aquela sensação de estar no limite, onde cada passo parece custar o dobro? Pois é, foi nesse desconforto que aprendi meus maiores truques para continuar, mesmo quando tudo em mim queria desistir.

Ao contrário do que muita gente imagina, não é sempre uma questão de força ou condicionamento físico. Eu vejo o limite mais como uma espécie de “muralha invisível” criada pela mente. Um sistema de proteção que tenta convencer você de que não vale a pena seguir. E, por mais estranho que pareça, foi ouvindo e respondendo a essa voz interna que desenvolvi as minhas estratégias mentais.

Eu converso muito comigo mesma quando estou correndo. Sim, em voz baixa ou só no pensamento, mas converso. Quando sinto que vou quebrar, começo a repetir: “Você aguenta. Só mais um pouco...” E não falo isso esperando um milagre não, mas porque descobri que, quando repito essas frases, meu corpo responde de outro jeito. O cansaço não desaparece, mas fica administrável, quase como se eu reduzisse o volume da dor.

Outro truque que uso é dividir o caminho em metas pequenas. Se faltam três quilômetros, por exemplo, não penso neles todos de uma vez. Meu foco é chegar até o próximo poste, depois até a esquina, até aquele atleta ali na frente. Cada micro vitória me distrai do todo e faz parecer que a linha de chegada está sempre mais perto do que realmente está.

A parte mais bonita da corrida, pra mim, é aprender a negociar com a própria mente. Saber quando insistir, quando diminuir, quando só aceitar o cansaço e continuar mesmo assim, sem precisar provar nada para ninguém.

Com o tempo, esses rituais se tornam quase automáticos. Mantras viram trilha sonora interna. A dor vira só mais uma companhia, não mais uma inimiga. E, curiosamente, quando paro de brigar com o cansaço e começo a negociar com ele, ele diminui.
A corrida, afinal, ensina mais sobre autoconhecimento do que sobre esporte.

Se tem algo que aprendi é que o limite não é o fim do caminho... é só um convite para atravessar para o outro lado. Toda vez que cruzo essa fronteira, saio diferente. Mais forte, mais leve, mais confiante de que, na próxima batalha mental, vou ter recursos para não me entregar fácil. E é isso que me faz continuar calçando o tênis e saindo pra correr, dia após dia.

No fim, superar o limite é menos sobre músculos e mais sobre narrativa interna. E a boa notícia? Todo mundo pode escrever uma história mais forte sobre si mesmo, basta começar, um passo de cada vez, mesmo quando parecer impossível.

Se você também já dialogou com seus próprios limites durante a corrida, compartilha sua experiência nos comentários. Quem sabe, da próxima vez em que o muro aparecer, uma frase que você escreveu aqui seja o empurrão que alguém precisa para seguir em frente.

Flávia